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LUIZ FERNANDO UCHÔA* –
Cursor piscando incessantemente antes de conseguir ordenar meus pensamentos, após um tempo sem escrever para minha coluna no PPQO, fez com que um sentimento de angústia se apossasse de mim e descompasse meus dedos no teclado em busca de um alento eis que surge esse texto.
Recentemente, estive em um encontro para escritores no qual falei aos presentes sobre o tema ‘Processo criativo de escrita e a importância de personagens LGBTs na literatura’, promovido pela Reversa e editora Vira Letra envolvendo meu livro-reportagem ‘Simplesmente homem’, que em breve será lançado.
Minhas falas foram que, antes de realizar qualquer pesquisa bibliográfica pelo fato de a obra ter sido um trabalho de conclusão de curso, foi a total entrega a um campo observacional, ou seja, vivenciar a realidade em todas as nuances, sem qualquer prejulgamento.
Literatura
Com o desenvolvimento do evento, estava em discursos intensos e apaixonados de autores que, assim como eu, defendiam a importância de LGBTs fora dos padrões cisheteronormativos e, ao mesmo tempo, estilos de escrita não demarcados como feminino, masculino, gay ou lésbico, para que ela ocorra livre de qualquer rotulação e, assim, envolva o leitor na história em si, e jamais em discursos panfletários.
Ao retomar minha fala, expressei o quanto a falta de acesso ao universo escolar e acadêmico dificulta aos homens trans terem literatura presentes em suas vidas e, com isso, se dificulta a existência de autores trans no mercado literário. Mesmo com algumas iniciativas recentes encontradas em editoras coparceiras, com projetos de cursinhos de pré-vestibulares populares voltados a travestis, mulheres travestis e homens trans, e também com universidades que possuam estudantes desse segmento.
No encerramento do evento, tive a oportunidade de aprimorar meu networking com os três escritores e me envolver em suas perspectivas de criação, de vida, desamores, amores e observar a decoração do local, os prédios em volta da varanda, o céu e suas nuances. Como se meus olhos capturassem todos esses elementos em uma velocidade sincrônica e assincrônica, simultaneamente, em busca de respostas para compreender o que me faz seguir lutando em prol de uma sociedade igualitária, e seguir escrevendo. Embora sinta, às vezes, uma sensação de impotência diante dessa realidade tão massacrante.
Vieira de Carvalho
A jornada estendeu-se quando segui para a rua Vieira de Carvalho, no centro de São Paulo, e avistei os bares cheios, e as calçadas abarrotadas. Estava conversando frivolidades com um amigo, até que fomos abordados por um tipo muito incomum, e ele começou a se aproximar de nós.
Discutiu conosco sua tese de doutorado com o tema de análise do discurso partindo do paradigma cultural ou algo assim, falou de sua viagem à China, do preconceito sofrido devido à sua homossexualidade, do confronto sentido no meio acadêmico, e passou a me analisar em todos os detalhes.
A impressão tida por ele acerca do meu ser foi como um jovem extremamente energético, caótico, inteligente e jovial pelo fato de ter lhe dito que não era metódico em minhas inspirações textuais, e preferia sair à noite para observar as pessoas ao invés de estar confinado em quatro paredes realizando exercícios de escrita criativa, rotinas maçantes de desenvolvimento literário e outras especificidades para realizar o ofício de escrever.
Binder
Situações embaraçosas que só acontecem na vida de um homem trans ao ser abraçado por uma pessoa cis desconhecida, que inventa de lhe tocar e logo perceber que você usa uma espécie de cinta. Fiquei com aquela cara, e ele já veio dizendo ‘aceite o seu corpo, é gordinho, tudo bem, quem ficar com você tem de aceitar’.
Minha mente divagava sobre essas afirmações e, em solilóquio, pensei que se ele soubesse que habito um corpo aprisionador, e todos os dias finjo não ter raiva dele para seguir sobrevivendo e lutar por novas perspectivas. Mas parei.
No decorrer da noite, observei os casais se formando, algumas solidões se contrapondo ao dito panorama romântico apresentado naquele bar e, eu, escrevendo mentalmente minhas impressões acerca daqueles pseudoamores fugazes, beijos vazios, abraços sufocantes, conversas sem sentido algum, movimentos sendo feitos somente para impressionar o outro em busca de atenção momentânea, entorpecimento alcoólico, anestesia via substâncias ilícitas, artistas de rua tentando mostrar suas habilidades em meio a esse caos urbano e crianças vendendo doces ou pedindo esmolas, pessoas em situação de rua nas calçadas em busca de prazeres entorpecentes. Uau.
Cartoon
Ao fim dessa jornada,, meu amigo e eu fomos de Uber para a casa desse rapaz, juntamente com a amiga dele, saída de um cartoon por ter cabelos coloridíssimos, tatuagens bem acentuadas, usar vestido coladíssimo e salto bem pontudo para acentuar suas curvas. Eu me senti à vontade com ela para discutir sobre assuntos de gênero e sexualidade com total liberdade, e começamos a explorar o campo das preferências sexuais e de suas razões.
Algum tempo depois, chegando ao local destinado, os dois partiram para o quarto com a finalidade de concluírem os seus atos libidinosos intensos. Eu e ela ficamos navegando nos aplicativos de pegação em busca de companhia para curtimos algo mais quente e, nada conseguimos. No final, demos muitas risadas de nossa caçada virtual. Cada um seguiu seu destino rumo ao descanso merecido após a uma intensa noite de aprendizados e algumas travessuras.
Uma sensação de ressaca mental invadiu o meu ser depois desse encontro tão insólito com essas pessoas, e com essas situações nestes ambientes conhecidos e superados. Fui surpreendido em ruas que percorro como se estivesse em casa e isso teve um efeito caótico e profundo para me refazer toda a minha trajetória.
Perturbação
Trechos perturbadores percorreram minha mente decorrentes dos acontecimentos anteriores citados acima, e posteriores, que serão tema dos próximos textos e gostaria de dividir com vocês nesse texto:.
‘Sentimento real e relevante para a sociedade, para a nossa existência, é responsável por nos mover à total entrega às delícias do subversivo, e a mergulhar no caos absoluto, desconsiderando totalmente as regras impostas dessa forma apagando a persona social construída.
Por mais que tentemos sentir o mundo real como é, na sobriedade nossas angústias e a sensação de não pertencimento invade o nosso ser. Então, a única saída é rota de fuga que nos seduz. Seria o refúgio em substâncias ilícitas, na religião ou até mesmo em relações casuais de todos os tipos. Mas nada consegue suprimir o vazio existencial que permeia na alma.
A magia desses instantes de felicidade é perdida. Quando se desperta no dia seguinte, e tudo permanece igual, e a vida continua, a sua dinâmica cotidiana de decepções e autodestruições.
Corpos necessitam uns dos outros para a transmutação total do real prazer metafísico contido no ato, tão necessário de ligação tão essencial à necessidade humana de conexão avassaladora e intensa para a existência.
Palavras que se perdem e flutuam em uma velocidade extrema, como uma fumaça dissipada no ar. Assim são as ilusões dos apaixonados, que se envolvem sem perceber a real intenção desse sentimento em aprisioná-los nessa fantasia. E quando o encanto se dissipa tudo torna-se um grande vazio.
Todos os vícios representam fuga de uma realidade sufocante que devora e dilacera a verdadeira essência’.
Fim
Admito que essa coluna tinha como objetivo inicial introduzir no espaço no PPQO a discussão sobre a transmasculinidade sob os prismas acadêmico, sociocultural e sociopolítico. Só que estou em uma fase atual mais subjetiva e lírica, sem deixar olhar políticocultural em todos os aspectos da realidade. Espero que entendam esse momento criativo tão necessário para o meu desenvolvimento como escritor.
*Luiz Fernando Prado Uchôa, jornalista, professor de inglês e espanhol, idealizador do blog Arco Iris Literário, que tem como objetivo difundir literatura LGBT através de resenhas literárias, colaborador da revista Sync e membro do coletivo família Stronger.
Homem, idade não revelada, nascido de um homem e uma mulher altamente erotizados. hoje pensa e vive para isso, além de trocar ideias sobre o tema. ou será que ele escreve sobre outra pessoa, é tudo ficção ou só exagero? ou não? quem sabe que se cale.
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