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JOÃO LUIZ VIEIRA* –
Você nem deve saber ou lembrar, mas masturbação e sexo anal já foram consideradas práticas parafílicas. O que vem a ser isso? “É um padrão de comportamento sexual em que o prazer não se restringe à cópula, mas à total possibilidade de manifestar o desejo e a quem se destina, ou seja, o tipo de parceiro que será alvo. Portanto, as parafilias são ações para concretizar o prazer, que não são socialmente aceitos, mas fazem parte da vida das pessoas de um modo geral”.
Quem diz isso? Breno Rosostolato, psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina e da Escola Sophia Marchetti, além de articulista sobre artigos ligados à psicologia. Ele fala com muita propriedade sobre esse tema, sempre polêmico para uma ou duas gerações, e absolutamente aceito para a geração posterior. Somos ou não somos estagiários de uma sociedade no futuro? Preparado? Segue a entrevista.
PPQO – O que é parafilia?
Rosostolato – Parafilia é um padrão de comportamento sexual em que o prazer não se restringe à cópula, mas à total possibilidade de manifestar o desejo e a quem se destina, ou seja, o tipo de parceiro que será alvo. Portanto, as parafilias são ações para concretizar o prazer, que não são socialmente aceitos, mas fazem parte da vida das pessoas de um modo geral.
Se a permissão ao prazer não ultrapassa o nocivo e destrutivo, e este comportamento não se torna prejudicial ou doentio, a parafilia passa a ser considerada apenas uma variação deste prazer. O prazer não está localizado necessariamente com o parceiro, mas na maneira como o sexo pode ser vivido.
Além disso, as parafilias são práticas incomuns e transgressoras dos aspectos morais. Pode ser um comportamento perigoso, trazendo prejuízos para a saúde ou segurança das pessoas envolvidas. O sexo oral, a masturbação e o sexo anal já foram considerados práticas parafílicas, e hoje são apenas variações normais e aceitáveis do comportamento sexual.
PPQO – Por que as pessoas não assumem seus fetiches?
Rosostolato – Muitas vezes as pessoas possuem seus fetiches, desejos inusitados, mas por algum motivo não manifestam estas vontades. A maioria das pessoas, homens e mulheres, por conta de uma educação muito repressora, restringem-se a viver o sexo com limitações, embora, gostassem de ir além, mas por causa de imposições sociais e conceitos familiares o desejo fica aprisionado.
Muitos sentem vergonha e ficam constrangidos em tentar algo diferente na cama ou em qualquer outro lugar. Estamos vivendo uma cultura do sexo e cada vez mais a sociedade fala, discute e pratica o sexo, mas ainda existe muita resistência a se libertar das amarras opressoras e dar vazão espontaneamente ao desejo.
A repressão pode causar problemas e dificuldades para que as pessoas possam constituir uma identidade sexual e quando ecoam, acontece de forma descontrolada, agressiva e invasiva.
PPQO – Há uma categoria de fetiches permitidos e os proibidos?
Rosostolato – Todo fetiche pode ser manifestado, desde que não prejudique as pessoas que os praticam e/ou cause sofrimento. Prazer no sexo deve ser gostoso e deve propiciar um envolvimento mais ousado do casal, mas não pode ser arbitrário, forçado ou imposto.
Os fetiches são expressões sexuais que transgridem os métodos e padrões tradicionais. O importante é que o casal concorde com tal prática e que nada corrompa os limites de cada um.
PPQO – Quando o fetiche vira um problema?
Rosostolato – O fetiche passa a ser um problema quando viola os limites do parceiro sexual, gerando desprazer e trauma. O fetichista tem preferências por práticas pouco comuns e poucas pessoas estão dispostas a participar ou compreender este prazer singular. Assim, o fetichista não se sente à vontade em expressar seu desejo com qualquer um, mesmo que existam grupos específicos que promovem encontros para praticarem e discutir sobre suas preferências sexuais, é uma parcela muito restrita que aceita tais práticas.
O fetichista se vê isolado e é minoria, porque consegue revelar e concretizar seus desejos. Facilmente as pessoas estigmatizam pessoas com determinadas prioridades sexuais e julgam o fetiche como algo estranho ou bizarro.
PPQO – O senhor disse que Freud afirmou que a perversão é o negativo da neurose. Por quê?
Rosostolato – O neurótico é aquele que vive ancorado em sua realidade, suas referências ou sua educação, e sustenta uma herança das angústias da infância, ou seja, os “nãos”, as interdições que moldam a personalidade e que criam a culpa. O perverso também está amparado em suas experiências de vida, na realidade social, família, mas, ao contrário do neurótico, ele recusa o “não”. Não internaliza as negativas, as interdições e, por conta disso, busca sempre se colocar em primeiro lugar. O prazer para o perverso é ilimitado, em que ele está sempre em busca desta satisfação. O prazer para o neurótico é limitado, restrito porque a culpa pode privá-lo das possibilidades no sexo.
PPQO – Os limites mudam de geração em geração. Quais os fetiches que tendem a perder a aura de aberração, em sua opinião, daqui a alguns anos?
Rosostolato – Sim, os limites mudam de geração em geração. Inclusive, hoje se respira o imediatismo da satisfação sexual a qualquer custo. Isso não significa que esta liberdade seja melhor ou pior. A quebra de paradigmas pressupõe em benefícios e angústias, porque o novo é sempre fator de insegurança e instabilidade. Por isso, temos as discordâncias de gerações, pais e filhos com opiniões divergentes, preconceito contra as manifestações sexuais que não são tradicionais e em oposição à pluralidade e diversidade sexual, por exemplo, a homossexualidade.
Os limites mudam porque as mentalidades tendem a acompanhar estas mudanças sociais. O tempo é relativo, mas as mudanças sempre acontecem. Muitas delas são ressignificações de conceitos distorcidos ou deturpados. Mas, tudo possui os dois lados da moeda, ou melhor, várias outras consequências.
Hoje algumas expressões do desejo tornam-se comuns. A masturbação, que na antiguidade, era uma afronta aos princípios morais e até religiosos, hoje é algo natural entre as pessoas. O sexo anal e o sexo oral também se incorporaram às práticas sexuais e fazem parte do repertório do relacionamento. Alguns fetiches como o voyeurismo, prazer em observar, e o exibicionismo são manifestações sexuais implícitas na sociedade. Aquele que gosta de desfilar sua melhor roupa para ir na padaria e aquele que gosta de ver pelo buraco da fechadura. Hoje temos muitas práticas fetichistas que tomam grandes proporções na sociedade e que não tem como dimensionar estas práticas. São mais comuns do que imaginamos como, por exemplo, o sadomasoquismo.
Sabe-se que muitos fetiches inusitados são grandiosos quando vasculhamos a internet e as redes sociais. Grupos marcam encontros e verdadeiros movimentos de interação são organizados. Pessoas com fetiches por balões possuem grupos que promovem encontros por todo o mundo, os chamados looners.
Não acredito em um fetiche específico que se torne comum, porque os fetiches já são praticados e muitas pessoas obtém prazer desta maneira. Eu acredito, sim, numa autonomia cada vez maior das pessoas em relação à própria sexualidade. Um reconhecimento do desejo e numa liberdade das expressões sexuais de maneira que não cause sofrimento ou esteja baseado em imposições e rigidez.
PPQO – Quais os mais estranhos, que as pessoas em geral nem têm noção que existam?
Rosostolato – Algumas parafilias podem ser consideradas normais, que não despertam tanta surpresa e chegam até a ser engraçadas, como no caso da dendrofilia, que é a atração por plantas (consiste na atração sexual por árvores, legumes, frutas, etc.). Pode ser entendido como uma forma de estimular a masturbação, nos casos em que se insere legumes ou frutas na vagina ou no ânus.
Já a anemofilia, por exemplo, é a excitação sexual com vento ou sopro (corrente de ar) nos genitais ou em outra zona erógena. Na coreofilia, a excitação sexual é pela dança. Uma parafilia bastante comum nos transportes públicos como ônibus, trens e metrôs é o frotteurismo. Uma parafilia que consiste na excitação sexual resultante da fricção dos órgãos genitais no corpo de uma pessoa completamente vestida (popularmente conhecido como encoxar), ou seja, pessoas que chegam a consumar o desejo se masturbando.
Outras parafilias são mais agressivas como o bondage, que é um tipo específico de fetiche, geralmente relacionado com sadomasoquismo, no qual a principal fonte de prazer consiste em amarrar e imobilizar seu parceiro ou pessoa envolvida. Outras parafilias causam nojo e até mesmo asco pelo teor asqueroso e grotesco como a necrofilia, ou seja, o prazer sexual por cadáveres e a coprofagia que é o prazer em ter contato com fezes.
PPQO – Quando sexo deixará de estar ligado a pecado e a culpa?
Rosostolato – O sexo sofreu mudanças no decorrer da história. Todo o simbolismo e as significações atribuídas a ele sofreram transformações que acompanharam as metamorfoses sócias. O sexo nos dias de hoje possui uma liberdade maior do ponto de vista do pensamento, de mentalidades que não se ocultam, mas se posicionam. As pessoas falam mais sobre sexo, mas não sei se fazem mais sexo como em tempos atrás.
Hoje ele é mais revelado, não existe muita censura para se discutir assuntos de cunho sexual, mas censura existe e sempre existirá. Censura essa que em outros tempos era maior, mas em que os preconceitos eram diferentes dos de hoje. Exemplo disso são algumas posturas que mudaram radicalmente. Na Grécia antiga, a relação entre dois homens era comum. A pederastia acontecia deliberadamente. A relação de homens mais velhos com outros homens jovens, os efebos.
Já as mulheres que, durante milhares de anos sofreram abusos, violência e foram desclassificadas como seres humanos, com o tempo foram se fortalecendo e se reposicionando na sociedade, ganhando mais respeito, sendo mais valorizadas e hoje exercem uma grande influência na mudança destas mentalidades. Saíram dos gineceus (quartos nos quais ficavam enclausuradas a maior parte do tempo em casa) e assumiram as salas da diretoria de empresas.
Com o advento do cristianismo, muito desta censura foi acentuada, e o sexo passou a ser considerado algo danoso, maléfico e constantemente associado ao demônio. Este foi o estopim para uma mudança brutal nos relacionamentos entre as pessoas, emocionalmente e, principalmente, sexual. A repressão às práticas sexuais era taxativa e não dava margem para deslizes. O sexo serviria apenas e estritamente para fins de procriação.
A repressão sexual é constituída pela e na sociedade e é um movimento que define regras e leis que servem para controlar a sexualidade das pessoas. O psicanalista Wilhelm Reich dizia que o objetivo da repressão sexual era fabricar indivíduos para se adaptar à sociedade autoritária, se submetendo a ela e temendo a liberdade, apesar de todo o sofrimento e humilhação de que são vítimas. A culpa é uma consequência desta educação religiosa associada ao pecado.
Infelizmente, não é só isso. Desde pequenos somos enquadrados a um tipo específico de comportamento, funções e pensamentos orquestrados por uma sociedade impositiva, segregadora e invasiva. O sexo qualificado pelo órgão genital, homem ou mulher não definem as identidades de gênero, masculino e feminino. O preconceito não tem como desqualificar a pluralidade sexual, as orientações sexuais. Entretanto, ainda nota-se a resistência da hetenormatividade. A culpa sempre existirá, mas a conscientização e a necessidade de ser feliz rompem constantemente com as limitações sexuais.
FOTO: Bianca Vasconcellos
*João Luiz Vieira, 51, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: ‘Sexo com Todas as Letras’ (e-galáxia, fora de catálogo) e ‘Kama Sutra Brasileiro’ (Editora Planeta, 176 páginas),e é sócio do canal de youtube Sexo Sem Medo. Interessado em palestras sobre aspectos gerais ou específicos da sexualidade, por gentileza procurar Vitor Bastos (portal http://tambor.biz/) ou Tate Costa (tate.costa@gmail.com).
Homem, idade não revelada, nascido de um homem e uma mulher altamente erotizados. hoje pensa e vive para isso, além de trocar ideias sobre o tema. ou será que ele escreve sobre outra pessoa, é tudo ficção ou só exagero? ou não? quem sabe que se cale.
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